A transformação do empreendedorismo feminino
Ainda há mais homens empreendendo no país, mas, para muitas mulheres que se viram tolhidas ou não valorizadas no mundo corporativo, o empreendedorismo é a chance de trilhar uma trajetória por suas próprias regras.
“Criou-se a lenda de que homens são melhores cabeleireiros que nós” Mariana Fonseca de Oliveira, dona de um salão de beleza – (crédito: Arquivo Pessoal)
No 3º trimestre de 2020 havia, segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), cerca de 25,6 milhões de donos de negócio no Brasil. Desses, 8,6 milhões eram mulheres (33,6%) e 17 milhões, homens (66,4%). Em 2019, a presença feminina correspondia a 34,5% do total de empreendedores (o que representou uma perda de 1,3 milhão de mulheres à frente de um negócio).
No DF, 36% dos empreendimentos eram liderados por mulheres em 2018. Ao todo, 121 mil eram donas de negócios e cerca de 102 mil mulheres trabalhavam por conta própria. Em 2021, o Sebrae informou que há 119.147 empreendedoras no DF, mas não conseguiu indicar o número de homens na mesma situação.
Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria de soluções e serviços nas temáticas de sustentabilidade e inclusão, se identifica com a busca por empreender para fugir dos preconceitos do mercado.
“O fato de ser mulher, negra e lésbica foi um desafio. E para estruturar meu trabalho da forma como eu gostaria, deixando o legado que eu gostaria, eu precisava implantar uma área de sustentabilidade e diversidade”, conta. “No lugar que eu estou hoje, dificilmente estaria em outra empresa”, diz.
Criei minha oportunidade
Mariana Fonseca de Oliveira, 31 anos, conta que viu no empreendedorismo uma oportunidade de se destacar. A cabeleireira abriu, em 2018, o salão de beleza Studio Atípico na 705 Norte. A relação com o mundo da beleza vem desde criança, inspirada pela mãe, que é profissional no ramo e com quem dividiu, até a primeira fase da vida adulta, o mesmo espaço de trabalho em um salão de beleza.
“Com a chegada dos meus filhos, percebi que precisava crescer profissionalmente. Queria mudar de ambiente e criar um lugar mais inovador, que ficasse entre barbearia e salão”, diz. Ao decidir empreender, notou disparidades em oportunidades. Para ela, o mercado de trabalho é muito mais aberto a homens. “No ramo da beleza é fácil de perceber. Os grandes nomes, em sua maioria, ainda são de homens”, lamenta.
O empreendimento de Mariana representa, para ela, uma oportunidade de “ocupar um espaço de pioneirismo que traz visibilidade”. Para a cabeleireira, as possibilidades para que mulheres atuem em barbearias vêm sendo abertas há pouco tempo. “Criou-se a lenda de que homens são melhores cabeleireiros que nós”, explica.
A maior dificuldade para a empresária foi o valor inicial para tornar o sonho realidade. As altas taxas de juros dos bancos não eram uma opção. Como contrapartida, recebeu apoio de uma amiga para o investimento. Hoje, é sócia do salão com Júlia Martins, 45. A esposa de Mariana, Érika Oliveira, 32, com quem divide a maternidade, faz parte da administração do empreendimento.
Mariana conta que ter um negócio próprio a permite dispor de mais tempo com a família. “Para mim, que sou mãe com outra mãe, sempre foi prioridade estar perto dos meus filhos e ter tempo de qualidade com eles. Ter meu negócio me permite fazer meus horários e ter, uma hora ou outra, a presença deles no meu espaço”, relata.
Saiba mais / Acesse no Instagram @atipico.studiohair
Sucesso em meio à pandemia
“Mulher empreendedora tem mais desafio ainda porque existem duas lutas: a luta de mulher no mercado e de empreender. Mas a gente tem força para isso” Hercília Oliveira Porto, dona de uma loja de lingerie(foto: Arquivo Pessoal)
Apesar de representar um cenário de crise para muitos negócios, a pandemia do covid-19 foi o início da caminhada de sucesso nos negócios de Hercília Oliveira Porto, 33 anos, graduada em administração e em contabilidade.
Em agosto de 2020, ela inaugurou uma loja virtual de lingeries. Com a resposta positiva de clientes, conseguiu abrir, no fim de setembro, um ponto de atendimento presencial na QNF 23, em Taguatinga Norte. Atualmente, ela atende uma média de 200 clientes por mês.
A decisão de trabalhar em um negócio próprio surgiu de uma situação de constrangimento com o chefe da empresa de contabilidade em que trabalhava como auxiliar contábil, em 2019. Ao solicitar o valor referente ao vale-transporte e alimentação da semana, Hercília recebeu uma resposta inesperada.
“Ele tirou três notas de R$ 5 da carteira, jogou na mesa e disse: ‘toma, pra você não passar fome’. Aquilo foi um tapa na minha cara para que eu pudesse ver que tinha que tomar outro rumo na minha vida”, conta.
A primeira vez que tentou empreender no ramo de lingerie foi em 2012, assim que concluiu a faculdade de administração. O negócio não deu certo, e ela precisou fechar as portas em menos de um ano.
Até 2020, ela estava em um relacionamento em que o parceiro pagava as contas da casa. Aproveitou o período para estudar e se especializar, mas descobriu uma traição por parte do companheiro. “Eu não tive muito o que pensar porque não iria me submeter àquela situação. A partir daí, precisei achar um jeito de me manter”, relata.
Ante a necessidade de renda durante a pandemia e com um filho de 10 anos, ela usou as economias para investir novamente no ramo de lingerie. “A pandemia me obrigou a abrir o meu negócio”, diz. “Chegou um momento em que eu não vendia somente uma lingerie. Eu vendia também a minha história.”
TCC sobre gênero
Para concluir a faculdade de administração em 2012, Hercília produziu um trabalho de conclusão de curso (TCC) sobre o efeito “teto de vidro” com relação à desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Saiba mais / Acesse no Instagram @herciliaportolingerie