META A COLHER,SIM! SAIBA DENUNCIAR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O fim do relacionamento ou uma pequena discussão em casa, pode representar um tormento bem maior do que parece para muitas brasileiras. Às vezes até por motivos banais, muitas têm perdido a autoestima e até mesmo a vida. Os últimos dados apontam um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio no Brasil em 2019, isso em comparação com 2018. Os dados oficiais correspondem aos 26 estados e ao Distrito federal.

E falando assim, parece que essa é uma realidade distante de nós, não é mesmo?! É como aquela conversa de achar que acontece com o vizinho, com um amigo, um conhecido, mas nunca com nós mesmos. A violência doméstica e o feminicidio são uma realidade em muitos municípios brasileiros.  Em Varginha, a Delegacia de Atendimento à Mulher registrou 781 casos de violência contra a mulher em 2018, já no ano seguinte, esse número saltou para 924 sem contar os procedimentos que se encontram em investigação na delegacia.

A nossa reportagem ouviu a delegada da Delegacia da Mulher de Varginha, doutora Geny Azevedo. Ela lembra que não há muito o que comemorar, mas cada vitória deve ser celebrada. A delegada destaca que a Lei Maria da Penha – Nº 11340 de 2006- é um avanço quando falamos em proteção às mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.  “Pela sua popularidade 100% das mulheres a conhecem, ainda que somente de ouvir falar. Porém, mesmo com uma lei tão avançada e copiada mundialmente nós destacamos o 5º país mais violento no mundo para as mulheres, num ranking de 84 países”.

E apesar de um índice tão violento, o Brasil além da Lei Maria da Penha, também respalda as mulheres com uma alteração recente no artigo 121 do Código Penal – onde prevê o feminicídio.  Desde 2015 a Lei n. 13.104, teve essa alteração, prevendo o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. “Com isso, o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, isso é, quando o crime envolve: violência doméstica e familiar ou menosprezo, discriminação à condição de mulher, temos um feminicídio”.

Doutora Geny Azevedo lembra que o medo é o maior motivo pelo qual as mulheres permanecem num relacionamento abusivo, em seguida, a preocupação com os filhos, e a dependência econômica. Segundo a delegada, a maioria das mulheres teme retaliação após uma denúncia. “É comum ouvir mulheres falarem que o companheiro diz que não tem medo da polícia ou, que ser for preso depois de solto vai matá-la”.

Porém mesmo com o medo imperando entre as mulheres que sofrem violência doméstica, a resposta imediata, tem feito diferença. Hoje quando um homem agride uma mulher ou descumpre uma medida protetiva de urgência, ele será preso. A punição tem sido cumprida e, com muito rigor. “Antes da lei, o agressor batia na mulher e ao ser conduzido para a delegacia, assinava um TCO e saia pela porta da frente. No judiciário ele pagava uma cesta básica e estava tudo certo. Isso mudou”, destaca a delegada.

E mesmo com tantas conquistas, as dificuldades ainda existem,não só para as mulheres vítimas de violência, mas também para aquelas que continuam lutando por outras. De acordo com doutora Geny, a maior dificuldade enfrentada pela DEAM – Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, é o aumento da violência de gênero. E isso ocorre, em razão de uma série de fatores, dentre eles o aumento das desigualdades de gênero.

Ainda de acordo com a delegada, a expectativa é que a sociedade se envolva mais no tema. “Quem sabe um dia, se consiga a inclusão da temática nas escolas, desde a educação básica até às universidades, para que homens e mulheres saibam respeitar as diferenças”.

Não muito distante de Varginha, na cidade vizinha, Três Corações, os números apontam dados preocupantes no que diz respeito aos casos de violência doméstica. De acordo com os últimos dados da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, a cidade teve 350 casos de violência doméstica em 2019 e duas tentativas de feminicidio. A delegada Hipólita Brum de Carvalho, comenta que é visível o medo das mulheres durante os atendimentos.  “Pelo tempo que trabalho na área, vejo que o medo das mulheres é pela dependência financeira, medo de uma ocorrência mais grave e ainda em razão dos filhos e da baixa autoestima.”

 

 

 

 

 

 

DENUNCIE

E assim como nas demais delegacias, a doutora Hipólita lembra que a maior dificuldade é a falta de estrutura no atendimento à essas mulheres. O estado não fornece estrutura humana e funcional. E também não há o fornecimento de uma rede de apoio para as vítimas de violência doméstica. Seria necessário além dos policiais, também profissionais da saúde, como, psicólogos e assistentes sociais para uma prestação efetiva às mulheres vítimas de violência doméstica. “Muitas delas se sentem desamparadas quando chegam na delegacia para realizarem a denúncia, muitas não têm onde ficar e nem mesmo uma rede de apoio. O que acaba levando em muitas casos, a retirarem a queixa contra o agressor. Há muito o que mudar e melhorar”.

Para a delegada, a expectativa é de uma conscientização geral. “Uma conscientização principalmente dos governantes para que dêem mais estrutura aos órgãos de proteção às mulheres. É preciso medidas de proteção eficazes para que as mulheres tenham coragem de denunciar seus agressores”.

Como denunciar a violência?

Quando a mulher decide denunciar o agressor ela deve procurar em Varginha a Delegacia de atendimento à Mulher, ou qualquer Delegacia de Polícia, caso não haja, na cidade em que ela estiver uma delegacia especializada. A delegada lembra a importância da denúncia. “O procedimento mais seguro para uma mulher é a denúncia. É necessário que esse agressor não fique impune. Por isso, é tão importante que ela rompa o silêncio e procure a polícia”.

Existem vários canais que podem auxiliar as mulheres no momento da denúncia. O primeiro dele, é o 180. O Disque denúncia foi criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país. Os casos recebidos pela central são encaminhados ao Ministério Público.

Outra opção é o disque 100, um serviço pode ser considerado como “pronto- socorro” dos direitos humanos, pois atende também graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes, possibilitando o flagrante. O Disque 100 funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel (celular), bastando discar 100.

E talvez o meio mais tradicional de denúncia, é o 190. Nesse caso, vai uma viatura da Polícia Militar até o local. Havendo flagrante da ameaça ou agressão, o homem é levado à delegacia, registra-se a ocorrência, ouve-se a vítima e as testemunhas. Na audiência de custódia, o juiz decide se ele ficará preso ou será posto em liberdade.

A delegada explica o procedimento de uma denuncia na Delegacia da Mulher. “Quando a mulher apresenta lesões corporais será encaminhada ao IML. A lei determina que quando houver risco de vida para a mulher e seus dependentes, ela deverá ser levada para abrigo ou um lugar seguro”.

Nessas ocasiões, a vítima também será cientificada de que poderá requerer medidas protetivas de urgência.  Dentre o rol de medidas, o juiz assegurará à mulher a inclusão, por prazo certo, em programas assistenciais do governo, o acesso à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho por até seis meses.

Doutora Geny Azevedo Delegada da Delegacia da Mulher em Varginha-MG

 

Desde 2016 está ativo em Varginha, o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres. O órgão colabora e apóia os programas, projetos e serviços que visam assegurar os direitos, contribuir e eliminar discriminações e combater todos os tipos de violência contra a mulher como: violência psicológica, física, sexual, patrimonial e moral.

SALVE UMA VIDA

E a Comissão da Mulher Advogada da OAB Varginha também possui uma comissão de enfrentamento à violência doméstica. Possuí diversos pilares e é composta por um grupo que atua nessa causa. “Essas mulheres podem ser amparadas pelo grupo de enfrentamento a violência doméstica, esse é um trabalho dinâmico, pois temos saído do campo social, e entrado diretamente no enfrentamento da real situação que vivemos por muitas mulheres”, esclarece a advogada Patrícia Monteiro, presidente da comissão.

DESPERTAR DA AUTOESTIMA

Na penitenciária feminina de Três Corações, um projeto vindo de Brasília, tem proporcionado às presas, a tão esperada ressocialização para quem vive em cárcere privado. Essa bandeira foi levantada pela advogada e presidente do Conselho Municipal dos direito das Mulheres, Tatiana Viotti. Se trata do projeto “Despertar da autoestima”. “Esse projeto surgiu em Brasília e foi implantado como um programa de ressocialização, mas aqui nós conseguimos expandir e fazer com que as mulheres que estão presas, nessa prisão sem grades de sentimentos e limitações, possam ser libertas”.  Isso porque o projeto venceu as barreiras da penitenciária e hoje contribui com mulheres diversas. Segundo a presidente, é preciso lembrar que muitas detentas foram reinseridas socialmente através desse projeto.

Quarentena dolorosa

E não bastasse essa dificuldade enorme com a pandemia da Covid-19, o isolamento social também tem mostrado uma difícil barreira a ser vencida pelas mulheres vítimas de violência doméstica.

Em uma sociedade doente e frágil, para essas mulheres, não basta sobreviver à pandemia, ainda há o desafio de sobreviver às agressões domésticas. Uma pesquisa recente mostrou que o número de casos de violência doméstica dobrou no Brasil desde o início do isolamento social.  “Os casos realmente aumentaram, nós acompanhamos isso pela Polícia Civil, e o preocupante é que os números são ainda maiores, pois muitas mulheres não denunciam. Em tempos de pandemia, esses números são graves demais, pois na maioria das vezes, não é só a violência física, mas também psicológica”, explica Tatiana.

Ainda segundo a presidente do Conselho Municipal de Três Corações, Tatiana Viotti, já era de se esperar esse números com o isolamento social, e por isso a violência doméstica precisa ser combatida com veemência, pois tem destruído muitas mulheres aos poucos.

Doutora Hipólita Brum de Carvalho, Delegada da Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Três Corações -MG

 

De acordo com ela, a realidade exposta pelas delegadas acima é algo nitidamente perceptível, pois o estado realmente não possui estrutura para prevenir e combater essa violência. “Por isso órgãos como o nosso conselho, existem para apoiar e acolher essas mulheres, pois sabemos que quando essa mulher vai denunciar, é porque ela já não agüenta mais”.

Tatiana ainda lembra que se há a Lei Maria da Penha a favor das mulheres, a violência doméstica é sim um problema do estado.  “É difícil porque por desacreditar do estado ou por ser totalmente dependente, e ainda uma série de outras questões, como, filhos por exemplo, essa mulher agredida, muitas vezes desiste de realizar a denúncia”.

Ela também enfatiza que o conselho disponibiliza de uma equipe, que tem trabalhado no combate a violência doméstica por meio de ações que visam chamar atenção das mulheres. “O conselho da mulher existe para apoiar  e acolher essas mulheres, temos psicólogos  apoiadores e assistentes sociais que tem nos ajudado nessa  causa e não podemos parar”.

E nesse momento de pandemia, com o isolamento social, as ocorrências de Maria da Penha subiram consideravelmente. “O principal causador dessa violência, é o consumo alcoólico. Acreditamos que tenha aumentado esse consumo durante esse período de isolamento social. Infelizmente, temos tido muitos casos, quase que diariamente de vítimas com pedidos de medidas protetivas”, explica doutora Hipólita.