As passarelas trouxeram de volta os umbigos de fora e, com eles, uma nova chance de libertar o abdômen feminino.

A cintura baixa voltou às passarelas e, com ela, os umbigos de fora. Mas todo o cuidado é pouco! A trend exige que o corpo esteja “em dia”, como uma prestação de crediário, alertam os fiscais do corpo. A trend não é exatamente nova e traz com ela lembranças recentes do inimigo número um da mulher segundo certas cartilhas: a barriga. Mas como uma parte do seu corpo pode ser sua inimiga?Por que tanto ódio direcionado a ela? Projeto seca-barriga. Suco exterminador de barriga. A barriga, perigosa, afrontosa.

Nem sempre foi assim. Os gregos curtiam tanto a região que tinham a deusa Baubo, sem cabeça, uma barriga com pernas e vulva, um símbolo de fertilidade em todos os sentidos. Os renascentistas também adoravam uma boa barriga saliente, retratando-as com todo seu charme e beleza em obras imortais. Em diferentes culturas e tempos, inclusive os modernos, a barriga foi tratada, ao menos, com certo respeito.

Mas já faz quase três décadas que os momentos de negação dessa parte do corpo segue firme. Mesmo com todos os avanços no sentido de aceitação e diversidade. O heroin chic, nos anos 1990, contribuiu bastante. Mas não foi só ele. A barriga negativa foi endeusada pelas musas fitness, editoras de moda, blogueiras e afins com fórmulas e textos que chocariam o Olimpo pelo grau de crueldade. E veja que a casa dos deuses gregos não foi exatamente um lugar de santinhos e equilibrados, mas uma reunião de entidades míticas esquisitonas e vingativas.

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Quantas vezes na vida você encolheu sua barriga para parecer “mais bonita”, ou seja, mais magra? Quanto tempo da sua vida passou contraindo os músculos, quantas vezes prendeu a respiração para tirar uma foto? Pois é.

Segundo a ioga, isso é péssimo. Relaxar a barriga, deixá-la soltinha é uma coisa importante na prática. Bom, segundo o senso comum, também. É cansativo esconder barriga, requer certo estado de atenção. Melhor não comer porque, né, dificulta. Melhor não falar muito. Melhor viver o mínimo possível, mantendo a contração constante – para não escapar nenhuma gordura.

Os paladinos da saúde logo aparecem nessas horas. Nunca defenderam o SUS, mal sabem o absurdo de preço dos planos médicos, mas não podem ver uma mulher gorda, uma dobra, que já querem medir a barriga, vão logo buscar a fita métrica, mostram dados via Google, ficam excitadíssimos.

Mas eles não enganam tão fácil. Os endocrinologistas, que estudaram anos para falar sobre isso, dizem que não é assim. Existem dois tipos de gordura. A subcutânea, bem tranquila, e a visceral. Esta se enfia no meio dos órgãos e é perigosa, como o nome já diz. “Existem muitos pacientes que estão com sobrepeso e mesmo obesidade (calculado pelo IMC, que é a relação entre peso e altura), mas, ao analisar a gordura visceral, que é a prejudicial, ela está normal. A gordura subcutânea em excesso, mesmo que no abdômen, não faz mal como a gordura visceral, que fica embaixo do músculo reto-abdominal”, conta a endocrinologista Giovanna Carpentieri, que pesquisa a obesidade em doutorado na Unifesp/EPM. Informação importante.

Os preconceituosos adoram jogar um pânico médico em cena para desviar a atenção de suas línguas compridas. Muitas vezes conseguem. Ironicamente, muitos deles se entopem de antibióticos sem receita, fazem dietas malucas e, acima de tudo, têm um interesse patológico em controlar a vida alheia.

Para relaxar, poderiam tentar a dança do ventre. Entre as praticantes dessa arte estão grandes defensoras da barriga. A barriga que se mexe durante os movimentos, plena, bailarina. Além de bonita, a dança é usada para concentração, alívio de dores, para facilitar partos. A origem é obscura, historiadores têm indícios de ligação com rituais primitivos ligados à terra, ao nascimento e à fertilidade.A barriga, aliás, só encontra um pouco de paz na gravidez. Um pouco.

Engraçado (ou, na verdade, terrível) pensar que a barriga da gravidez seja tão idolatrada e idealizada, mas se transforme em uma vergonha e um fardo tão logo o bebê saia de lá para o mundo: “Famosa surge com six pack chapado com filho de 2 meses”… Cintas, espartilhos, massagem, lipo, musculação. Vamos apagar rápido os traços de nove longos meses de geração de uma vida, de um parto.

Se você não quer ter filhos, será infernizada por sua escolha. Se os tiver, seu corpo não pode ter sinal de que isso aconteceu. A opressão não é só estética. Vai bem além disso.

Barriga é desleixo, doença, preguiça, doença, gula. Abdômen liso, duro feito madeira, é foco, trabalho, saúde, disciplina. Nada contra nenhum dos dois tipos, mas quem foi que determinou essa divisão de associações negativas e positivas? Sim, porque nenhuma ciência dá conta de sustentá-las dessa maneira, como fatos indiscutíveis. A ideologia entrou por baixo da sua roupa e você nem viu. Melhor tomar um banho, para ver se tira isso desse corpo que te pertence.

Vivemos num período horrível, em que uma falsa defesa de liberdades soltou na atmosfera hordas de feras sedentas por likes e grosseria. De hábitos vampirescos, elas se aproveitam das sombras e têm preferência por mulheres. Colam no pescoço e querem dominar tudo, colonizar com opiniões retrógradas, com ódio, com mentiras populares, com moralismo barato e violência.

Mas você e sua barriga não podem se deixar derrotar. A vida é uma só, ou ao menos é uma de cada vez, e não há tempo a perder com sanguessugas de energia. Sua barriga não muda a temperatura do sol nem a cor da água do mar. Então, se não chover, aproveite a praia sossegada. Se é a nova calça baixa que você quer e seu cartão permite, use. O piercing de umbigo está fazendo seu retorno após anos de descrédito, olhe só.

É lamentável pensar no grau de constrangimento das mulheres diante de uma simples barriga, enquanto a modinha do “dad bod” é hype para os homens. Sim, o corpo com aquela barriga que caras mais velhos costumam desenvolver. O dad que não pariu o bebê tem direito. A mãe, não. Sinceramente, é difícil crer que engolimos essas lorotas por tanto tempo. Não sem a ajuda da moda, dos programas de TV e, mais recentemente, das redes.

Mas o novo sempre vem, e a revolução não será televisionada. Ela começa com você, em silêncio. Quando você domina esse silêncio criativo, não opressivo, seguro e intransferível ganha voz. E força para voar com todos os intrometidos que estiverem tentando dominá-la pelo umbigo.

Grande, pequena, lisa, redonda, chapada, ondulada, curvilínea, malhada. Sua barriga, sua vida, suas regras.

Por Vivian Whiteman | Elle