Você já notou como estamos no auge da bipolaridade social? Não sabemos mais quem somos. Vivemos em uma era de extremismo em que não existe mais limites. A dificuldade já começa em se reconhecer como sujeito na sociedade e o extremismo acaba nos deixando fragmentados. É justamente neste cenário de caos que estamos inseridos e buscamos por grupos identificatórios que nos possibilitem o reconhecimento do nosso “eu”.

São as identificações que se constituem na relação com o mundo que vamos nos reconhecendo enquanto sujeitos sociais e culturais. Enquanto o óbvio e natural de cada ser humano se perde no contexto da normalidade, cresce a procura de nós mesmos no universo a partir das identificações – seja por pessoas, comportamentos ou ideologias.

Segundo a psicanálise, “o nosso eu” necessita do outro para a própria constituição, logo o sujeito não é constituído como “essência” própria sem relação com o mundo. O sujeito é constituído por vários elementos que vem de fora (outras pessoas, valores, moral, sociedade, cultura). Desta forma, nossa relação com o mundo nos constitui, não uma essência crua, a priori, pois nossa unicidade se dá a posteriori.

Quando as identificações se mostram de forma distorcida e fraca, as pessoas tendem a buscar grupos mais fechados para fortalecimento do próprio “eu”. Repare como crescem os grupos feministas, grupos políticos de direita e esquerda, grupos LGBT, grupos dos negros, grupos esportivos, entre outros que são formados por pessoas que buscam identificações. As identificações é a forma de dizer aos sujeitos dos grupos “quem eles são ou devem ser”. Os grupos sociais, nestes casos, servem para dizer quem o sujeito é e consolidar a própria identidade.

Obviamente não há problema em buscar grupos específicos para se identificar e se reconhecer na sociedade, a questão está em como aceitar o outro diferente – de um grupo diferente. Quanto mais as especificidades de um grupo se fortalecem, mais são fechadas as possibilidades de intercambio e com isso formam-se os “inimigos”, ou seja, aqueles que são diferentes tomam a dimensão de que podem destruir meu grupo e destruir as identificações que me tornam sujeito.

Nosso modo de funcionamento tem dificuldade de reconhecer o outro como um sujeito de comportamentos, pensamentos, sentimentos diferentes e até contrários aos nossos. Enxergamos de forma astigmática tudo aquilo que difere as nossas condutas, crenças e pensamentos. Encaramos como “inimigos” todos aqueles que “são ou pensam” de outro modo que não o nosso. Além disso, mantemos o conceito de que todo inimigo deve ser combatido, ou seja, queremos eliminar qualquer opositor as nossas crenças.

Somos incapazes de perceber e aceitar que o outro é diferente e podemos apenas respeitá-lo. O não reconhecimento do outro é o não reconhecimento que protege o meu “eu”, isto é, eu me protejo no inimigo e não permito que o outro apareça anulando-o, repudiando-o ou matando-o.

Não conseguimos encarar o fato de que o outro é dissemelhante a “mim”, mas que ele tem as mesmas possibilidades, direitos e inteligência que eu, contudo com diferenciais de identificatórios dos meus.

Freud em tempos remotos já falava sobre o “Estranho”, onde a questão de ter um “outro” que “eu” não consigo reconhecer como um outro parecido comigo, pois ele pensa diferente. Logo, se ele pensa diferente, eu não consigo não tê-lo a não ser como um inimigo.

Apontamos o dedo alegando: “você é burro”, “você não pensa”, “você não enxerga”, “como você pode votar neste ou naquele”, “aquela pessoa é louca” e, nesta batalha, não paramos para refletir que talvez o outro grupo também tenha coisas interessantes a dizer.

Não queremos ouvir outras ideias, opiniões e pensamentos por causa do contraponto, o contraditório de mim mesmo, ou seja, do contraponto de “quem sou eu”. Não gostamos de nos colocar diante do espelho e admitir ou entender que este “eu” que está extremamente constituído não é um “eu” absoluto ou forte e que pode desmoronar a qualquer momento nos tornando cada vez mais frágil.

A bipolaridade social trata-se dos pensamentos em excessivos diferentes em polos diferenciados que se debruçam em termos, normas e leis que intensifiquem os grupos identificatórios e seus propósitos.

Fica a sugestão de que o respeito deve sobressair qualquer preferência, opinião e ideologia. Podemos pensar diferente, ser diferentes e ainda assim respeitar, tolerar e aceitar o outro como ele é.

 

Elizandra Souza

Psicanalista

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