No livro Tina Turner: Minha história de amor, a artista fala sobre detalhes do casamento e da carreira!
Apesar do enorme sucesso que conquistou, a vida nunca deu muita trégua para Tina Turner. Ela teve momentos gloriosos como grande estrela do rock n; roll. Acumulou prêmios e vendeu discos aos milhões. Mas também passou por uma infância nada fácil, dificultada pela dislexia então não diagnosticada e pela relação impassível com a mãe. Ainda jovem, atravessou o ;inferno dantesco; ; como ela descreve o próprio casamento ; ao lado do ex-marido e guitarrista Ike Turner, de quem sofria todo tipo de violência. Há mais de uma década longe dos palcos, com a saúde debilitada e uma história de extremos nas costas, a voz de Proud Mary e The best narra bastidores de sua trajetória no livro Tina Turner: Minha história de amor.
A autobiografia chega às prateleiras do Brasil no ano em que a cantora completa 80 anos. É a segunda que ela escreve. Em I, Tina, lançado em 1986, ela revelou os abusos que sofria de Ike Turner, de quem foi parceira na dupla Ike & Tina Turner por 16 anos. O livro inspirou o drama biográfico Tina ; A verdadeira história de Tina Turner, de 1993, ao qual ela nunca assistiu para evitar lembranças ruins. ;Meus sentimentos por Ike eram dolorosos e não resolvidos quando o filme foi lançado;, explica.
Em tom de conversa, ela fala sobre o romance ao lado do atual marido, Erwin Bach, a vida de aposentada, relembra fatos marcantes da trajetória e episódios até então desconhecidos pelo público. Apesar de sempre ter sido aberta sobre o período traumático com Ike, ela omitiu alguns eventos por vergonha. Como a noite no bordel horas após se casarem: ;As pessoas nem imaginam o tipo de homem que Ike era ; um homem que leva sua nova esposa para assistir a um show de sexo pornográfico logo depois da sua cerimônia de casamento;.
Vida difícil
Tina Turner nasceu Ana Mae, em Nutbush, no estado americano de Tennessee, em 1939. Avisos espalhados pela região informam que ali nasceu uma grande estrela. Um dos exemplos é a estrada que atravessa a cidade, que desde 2001 é conhecida como Tina Turner Highway. Em outra homenagem, a antiga escola onde ela estudou atualmente se chama Museu Tina Turner. Lá foi ;palco de humilhações diante do quadro-negro; quando Tina era criança. Sofria pela suposta ;falta de inteligência;, que foi esclarecida apenas em 2004. ;Finalmente superei esse senso de inferioridade quando a princesa Beatrice, neta da rainha Elizabeth, deu várias entrevistas sobre sua dislexia;, recorda-se.
Ela cresceu vendo a mãe, Zelma Bullock, ser agredida pelo pai. Filha indesejada, Tina conviveu com o desprezo da mãe por toda a vida. Chegou a ser abandonada por ela quando tinha 13 anos. Apesar dos problemas em casa e na escola, Tina tinha um grande talento guardado. Com 4 anos, foi colocada para cantar em frente a uma loja, num banquinho. Sempre teve facilidade em subir nos palcos e decorar músicas inteiras. Não tardou a entrar no coral da igreja e a cantar junto a um músico local em piqueniques da cidade.
Passou a cantar profissionalmente com 17 anos, dividindo a atividade com a de empregada doméstica. Ela se apresentava com os King of Rhythm, antiga banda de Ike Turner, que conheceu por intermédio da irmã. Ela teve Raymond Craig, primeiro dos quatro filhos, com o saxofonista do grupo Raymond Hill. O namoro com Ike começou em 1958. ;Agora, vejo que meu relacionamento com Ike foi fadado ao fracasso no dia em que ele percebeu que eu seria a galinha dos ovos de ouro;, escreveu.
A banda foi rebatizada como Ike & Tina Turner. Foi a forma que Ike encontrou de prendê-la, pois, como supôs, seria sempre associada a ele. A princípio, Tina não gostou do nome artístico e foi questioná-lo. Ele respondeu com o que seria a primeira das inúmeras agressões físicas que ela sofreria ao seu lado. ;Ike pegou um alargador de sapato de madeira e veio para cima de mim, pronto para me dar uma lição que eu não esqueceria tão cedo;, conta, lembrando de que ele evitava usar os próprios punhos para não estragar as mãos com que tocava guitarra.
Ike controlava tudo. Os shows, o dinheiro e a forma como Tina cantava, que nunca a agradou. Mesmo submetida ao marido, se envolveu em projetos de que se orgulha ainda hoje. Como a música River deep ; mountain high, que gravou com o produtor Phil Spector; o filme Tommy (1975), baseado na ópera rock homônima do The Who, no qual interpretou The acid queen; e o show que abriram para os Rolling Stones em Londres, onde ensinou passos de dança para Mick Jagger. ;Até hoje, Mick gosta de dizer que foi sua mãe quem lhe ensinou a dançar. Não me incomodo com isso. Mas eu sei a verdade;, revela.
Mas a vida sempre a lembrava dos pesadelos: ;Houve uma parte do mundo que eu preferia ter pulado. Durante a década de 1960, foi muito difícil para nós (Ike e Tina) ter viajado pelo Sudoeste americano, porque com frequência nos deparamos com situações perigosas de racismo;, contextualiza.
Em cima do palco, ela sorria e cantava, apesar das marcas de agressão. Ike era viciado em cocaína e mantinha diversos namoros paralelos. A vida infeliz que levava fez Tina tentar suicídio em 1968. ;Saí da escuridão acreditando que eu precisava sobreviver;, diz. Após várias tentativas fracassadas, Tina conseguiu fugir de casa e se viu livre de Ike em 1976.
Altos e baixos
A volta para o show business não foi fácil. Depois de um período fazendo show em clubes pequenos, Tina voltou a chamar a atenção. Deslanchou depois de ser elogiada publicamente por David Bowie. ;Sua cantora favorita era eu!”, destaca. Com mais de 40 anos, a mulher saída da vida humilde no Tennessee se tornou um dos maiores nomes da indústria fonográfica. Vendeu 200 milhões de discos, recebeu 12 prêmios Grammy e voltou às grandes telas em 1991 para interpretar Tia Entity em Mad Max ; Além da cúpula do trovão. Em 1991, ingressou no Rock and Roll Hall of Fame.
O contato com a música a aproximou do atual marido, o executivo da gravadora EMI, Erwin Bach, com quem está há 33 anos. Eles se casaram em 2013, no castelo onde vivem, na Suíça. A felicidade durou pouco. Três meses depois, ela recebeu ;um lembrete devastador da minha própria mortalidade;.
Tina Turner sofreu um derrame. Com o lado direito do corpo paralisado, teve de fazer fisioterapia para reaprender a andar. Depois, teve uma crise de labirintite. Em 2016, foi diagnosticada com câncer no intestino. Além disso, um problema de pressão alta identificado nos anos 1970 começava a afetar os rins.
;Estou sentada em uma poltrona para hemodiálise, em um hospital a 10 minutos da minha casa, tentando ignorar a morte, que não para de cutucar meu ombro;, relata. No fim de 2018, ela recebeu um rim transplantado do marido, 17 anos mais jovem. No ano passado, ela recebeu a notícia de que o primogênito, Craig, se matou aos 59 anos. ;Uma dor aguda em meu coração. Uma noite sofrida;, narra.
Além da autobiografia, a vida dela é tema de Tina: The Tina Turner musical. Depois de estrear no Reino Unido em 2018, o espetáculo circula pelos EUA. A última vez que Tina Turner subiu ao palco foi ao lado da atriz Adrienne Warren. Juntas interpretaram o sucesso Proud Mary. Em 2008, ela também cantou o sucesso com Beyoncé no Grammy.
Duas perguntas para Carolina Simmer, tradutora do livro Tina Turner: Minha história de amor
O tom do livro remete a uma conversa com leitor. Esse foi um caminho que você escolheu, ou estava assim no original?
Eu tentei me manter o mais fiel possível ao original. A história é contada daquele jeito mesmo, mais informal, como se fosse um bate-papo entre amigos. Tina Turner teve uma vida conturbada. O livro trata de assuntos muito íntimos e que devem ser difíceis e dolorosos de tornar públicos. Em determinado momento, ela conta que estava cansada de falar sobre o primeiro casamento abusivo, que preferia deixar isso para trás, mas que entendia que sua experiência servia de inspiração para outras pessoas na mesma situação. Então acho que ela queria contar a própria história, porque sabe que pode ajudar muita gente e que os fãs se interessam por sua vida, mas deve ter se sentido mais confortável tratando tudo como uma conversa.
Quais a principais diferenças tanto textuais quanto confessionais entre a autobiografia de 1987 e a atual?
Não cheguei a ler. Mas assisti a entrevistas dela com a Oprah e com o Larry King, e tenho a impressão de que ela sempre foi muito sincera sobre sua vida. Sei que a autobiografia dos anos 1980 fala sobre o casamento com Ike, e acho que, naquela época, o público se interessava muito por essa parte triste da trajetória dela. Minha história de amor fala sobre a vida toda de Tina Turner, incluindo o período com Ike, mas, no fim das contas, é mesmo uma história de amor, focando no relacionamento com o segundo marido, na convivência entre os dois, na questão da diferença de idade. Depois que o primeiro livro foi publicado, ela passou por momentos muito complicados com a família e problemas graves de saúde, mas ele sempre esteve ao seu lado, lhe dando apoio. É um livro com uma mensagem de amor e superação, otimista.