Ao longo dos anos, a maior revista feminina do Brasil definiu uma nova maneira de fazer conteúdo para as mulheres
Por Thomaz Souto Corrêa (CLAUDIA)
“A arte de ser mulher”
O sumário do número 1 da revista CLAUDIA, que as leitoras compraram nas bancas 58 anos atrás, destacava como “assuntos importantes”: a moda de primavera lançada em Paris; o uso de plantas na decoração da “casa moderna”; as mercearias modernas chamadas de supermercados; as declarações surpreendentes de Sophia Loren, “a estrela mais fulgurante da constelação cinematográfica”. Trazia também uma matéria sobre o problema de filhos que não querem comer, uma novela do escritor inglês Somerset Maugham e um inquérito sobre superstição.
Inspirada em revistas femininas italianas – além de Sophia, tinha Marcello Mastroianni como galã da edição –, CLAUDIA se esforçava para apresentar um sentido prático às suas reportagens de serviço. Falava com uma jovem leitora casada e queria que ela se sentisse servida por informações úteis que a ajudassem nas áreas que considerava “importantes” – nesse número 1, moda, casa e filhos. Daí para a frente, acrescentaria cozinha.
A questão de informação de serviço era difícil de resolver. As fotos de moda, decoração, comida e maquiagem eram todas estrangeiras, e mostravam roupas, ambientes e produtos que não existiam no mercado brasileiro. Os redatores tinham de fazer verdadeiros malabarismos com o texto para deixar claro que aquelas fotos lindas eram só inspiração e serviam como ideias, porque nada do que aparecia nas matérias podia ser comprado.
Ao mesmo tempo, CLAUDIA oferecia às suas leitoras matérias incomuns nas revistas do gênero daquela época. Quem ocupava a última página do número 1 era Rubem Braga, considerado o maior cronista brasileiro. Somerset Maugham foi uma escolha sofisticada para o primeiro número de uma revista, feminina ou masculina.
Aos poucos, CLAUDIA definiu uma nova maneira de fazer revista feminina no Brasil. As inovações se sucederam em todas as áreas: construiu a primeira cozinha experimental, onde as receitas eram testadas três vezes antes de serem publicadas; construiu também o primeiro estúdio fotográfico, onde se montavam os ambientes para as matérias de decoração. Nesse mesmo estúdio, eram realizadas as reportagens de moda e beleza, que mostravam o melhor do que havia sido produzido pela indústria brasileira, numa seleção feita pelas editoras da revista.
Desde o número 1, CLAUDIA dedicava a seção “Arte de Ser Mulher” a uma conversa mais séria com a leitora, basicamente sobre problemas de relacionamento. Mas o fazia de maneira muito cuidadosa. Era preciso fazer valer uma opinião, mas que não prejudicasse a união marido-mulher. Pois foi com essa seção que CLAUDIA botou fogo na vida da mulher casada brasileira, quando, em setembro de 1963, passou a publicar os artigos de Carmen da Silva. Brilhante e desafiadora, Carmen tratou de todos os tabus.
A mulher casada tinha direito ao orgasmo (pesquisas da época mostravam que uma grande quantidade de mulheres não tinha); a mulher casada devia trabalhar (era considerado “feio”) e deixar de ser apenas uma “triste rainha do lar”; o divórcio era uma alternativa concreta para as mulheres infelizes no casamento.
Carmen passou a viajar pelo Brasil dando palestras e entrevistas, porque virou uma voz da liberação. E, com isso, CLAUDIA tornou-se a revista feminina que foi muito além da sala, da cozinha e da vitrine, o que sempre tentou fazer de modo brilhante. Foi a revista que sempre marchou junto com você, leitora, como uma amiga escolhida, querendo ajudar, divertir, informar, conversar. Com 58 anos de idade, parece que deu certo.
*Thomaz Souto Corrêa foi diretor de CLAUDIA