Você até trabalha todos os dias, não falta em seus compromissos, como as aulas da faculdade, academia ou reuniões familiares, mas sente que tudo isso não faz sentido?
Sentir-se “pra baixo”, sem ânimo, não ver significado nas coisas que faz ou não enxergar nada de positivo são alguns sinais que indicam uma depressão. Quem está com depressão não encontra sentido em na vida e nas atividades que exerce no dia-dia. Esta é uma doença silenciosa, que não esboça “palavras”. A vista disso, o sujeito deprimido não consegue falar sobre o que sente, o que pensa e o que está acontecendo com ele. Entre o não sentido da vida, e o não sentir, o depressivo torna-se apático, indiferente e disperso a tudo e todos ao redor. Para a psicanalise, a depressão é um sentimento de “não sentido”.
Diferente da tristeza, a depressão pode ter sintomas dessemelhantes ao simples desânimo e mau humor
A pessoa entristecida sente melancolia originada por um “agente motivador”, ou seja, elas fica triste por um motivo real, por algo ou um fato que aconteceu. A tristeza é um sentimento vivenciado, mas que depois se dissipa ou desloca, dando espaço a outros sentimentos ou estado de humor, como alegria, raiva, angústia, êxtase, euforia, etc.
A depressão possui outras características peculiares e, ao contrário da tristeza, é um sentimento complexo que não se dissipa facilmente, não se desloca e nem dá lugar a outros sentimentos agradáveis. Ela é impertinente, perturbadora e insistente, é como se a vida do indivíduo estivesse destinada para sempre a inércia, o desamino e a insensibilidade completa.
O sujeito deprimido não é só aquele que fica deitado na cama, alienado no sofá em frente a televisão e sem vontade de fazer nada. Na maioria das vezes o deprimido é também aquele indivíduo que faz muitas coisas, atividades e tarefas até e mesmo em excesso, o que também representa um desequilíbrio emocional.
O depressivo não percebe nada de bom em si mesmo e nem na vida futura, geralmente ele não “vê a luz no fim do túnel” e desta forma ele “faz, faz e faz”, mas nada do que ele faz produz algo que traga alegria. Além disso não é produtivo e, por consequência, não existem resultados e tudo que ele executa, faz por fazer.
A psicanálise afirma que na depressão “falta a falta”. Nesta visão a “falta” é o que faz o desejo aparecer, por exemplo, e de forma bem simplificada, a ausência do pai na infância de um garotinho move seu desejo para ser um pai melhor para seus filhos quando adulto, ou uma menina que teve uma vida difícil tem o desejo lhe movimentando para estudar muito para ser uma pessoa bem-sucedida e próspera. Por isso, dizemos que a falta é o que faz com que o desejo apareça.
Somos sujeitos constituídos por falta. É em função do desejo que nos movimentamos e criamos possibilidades na vida, é por desejar que buscamos realizações e conquistas. Isso explica o porquê logo após uma conquista muito almejada, algumas pessoas perdem o interesse ou valor do que acabaram de alcançar e em seguida já querem outras coisas.
As pessoas se sentem excluídas e propícias à depressão pelo modelo de vida estipulado pela sociedade do espetáculo e pela necessidade de consumo, denominada também como “vida ideal”, tal como no comercial de margarina em que todos estão sorrindo, felizes em comunhão, em que todos os membros da família “estão e são” presentes, sentados ao redor da mesa farta de pães, frutas queijos e leite, ou seja, onde não há nenhuma ausência.
Esse modelo capitalista de vida ideal provoca sentimentos de inferioridade e falta de sentido pela impossibilidade das conquistas ideais. Milhares de pessoas que não possuem condições financeiras, sociais, familiares ou psíquicas amargam o desgosto da sensação de não pertencimento. Todos somos influenciados e bombardeados pela mídia, persuadidos pelo carro do ano, celular e pelo padrão de beleza ideal.
A depressão já foi considerada por Freud um elemento da fraqueza psíquica, visto como uma espécie de ausência de força e de impulso, descrita como “rebaixamento do desejo”. Segundo a psicanálise freudiana, o estado depressivo representa uma anedonia, um sintoma psíquico que indica falta de prazer na vida. Para a medicina trata-se de um déficit de serotonina e dopamina, substâncias cerebrais que estão em falta.
A psicanálise, apesar de não se guiar ou indicar medicamentos, não despreza a necessidade de medicalização em vários casos, até mesmo para estabilização de humor e possibilidade de trabalho analítico.
Diferentemente, das linhas de autoajuda, a psicanálise não visa um saber totalitário do si mesmo, mas o reconhecimento das limitações e produções de cada sujeito. A psicanálise não faz por quem não quer, por isso, a análise de um depressivo pode ser extremamente desafiadora, pois o que está em jogo é a capacidade desse sujeito de restaurar sua constituição desejante.
A depressão tem sido banalizada, ainda que os casos aumentem. Por isso é necessário o olhar de um especialista psi (psiquiatra, psicanalista, psicoterapeuta) para constatar e verificar as possibilidades de tratamento, que não deve se guiar simplesmente pela crença da “pílula mágica”, mas também na necessidade de poder amenizar a apatia, a indiferença e a falta de sensação de felicidade.
A ajuda de um profissional auxiliará a recuperação e até mesmo a restauração do desejo, possibilitando a reconstrução dos sonhos de uma vida com sentido.
Elizandra Souza
Psicanalista
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