Sua colega de baia foi promovida e bateu aquela inveja. Foi inevitável. Você ficou feliz por ela, só que não conseguiu conter esse sentimento. Depois se sentiu culpada e, mais, envergonhada. Nem conseguiu desabafar com seu namorado ou com sua BFF com medo de receber um “Ah, isso não é legal, é inveja!” Ok, inveja, culpa e ansiedade não são lá os melhores sentimentos do mundo. Mas e se a gente te dissesse que, sim, existe algo bom nisso tudo? Para você entender melhor, vamos contar uma história.

No final da década de 90, quando ainda era presidente da Associação Americana de Psicologia, o psicólogo e educador Martin Seligman e seus colegas deram início aum movimento conhecido como psicologia positiva. O objetivo era desenvolver tanto os pontos fortes quanto os pontos fracos de cada pessoa — resgatando, assim, o conceito de que uma emoção é apenas uma emoção; o que a torna positiva ou negativa é basicamente o modo como lidamos com ela.

Até então, ao longo das seis décadas anteriores, psicólogos e psiquiatras eram vistos como profissionais que cuidavam somente de doentes mentais e fazer terapia ou análise não era algo comum como é hoje. Quase não havia esforço para tornar a vida das pessoas relativamente sem problemas melhor, reforçando a ideia de que alguns sentimentos só poderiam ser fruto de traumas ou doenças — e isso afastava muita gente do divã.

Segundo ele, fatores sociais, culturais, religiosos e biológicos contribuem para essa noção equivocada. E é preciso ter em mente que o contexto muda tudo. “A alegria é mais aceita do que a tristeza em uma festa, mas não em um enterro.” Extravasar a raiva (seja em uma aula de spinning, seja gritando sozinha no quarto, por exemplo) após uma injustiça no trabalho, por sua vez, pode ser tão prazeroso como curtir a happy hour com as amigas depois de um expediente tranquilo.

Não se reprima

Quase 20 anos depois do surgimento da psicologia positiva, um estudo conduzido por cientistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em parceria com o Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College London, no Reino Unido, aponta que ainda há um longo caminho até que essas sensações sejam vistas com outros olhos.

Na pesquisa, que está em fase de contabilização dos dados coletados, os especialistas avaliaram a opinião de cerca de mil voluntários (sendo 645 brasileiros) sobre algumas emoções e o ato de expressá- las. “Podemos adiantar que os participantes do nosso país apresentaram uma rejeição maior à tristeza e à ideia de demonstrá-la em público”, diz o professor de psicologia Daniel Mograbi, um dos autores do trabalho. “Em ambos os grupos, notamos também uma associação entre essa visão e o aumento do risco de depressão e transtorno de ansiedade”, afirma.

Outro aspecto curioso da pesquisa é que o acesso à informação parece ser benéfico nesse sentido, já que o nível de escolaridade influenciou positivamente. Claro, ninguém precisa se formar em psicologia para mudar de ideia. Ler reportagens como esta e buscar conhecimento e inspiração em livros e filmes é um ótimo começo para abrir a mente e o coração. “Alterar essa perspectiva incentiva a ter coragem de encarar e expor o que sentimos”, afirma Lidia Weber, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A reação nem sequer precisa ser imediata. Se for possível e achar que não está pronta para conversar, dê uma volta, organize os pensamentos e escolha bem as palavras. “Perder a civilidade e atacar o outro sem necessidade só piora a situação”, diz Lidia.

Por que tocar na ferida

Além de favorecer ou prejudicar a saúde e a qualidade de vida, o modo como lidamos com os sentimentos é crucial para definirmos uma noção de realidade e moldarmos nossa personalidade e os relacionamentos que temos. Uma pesquisa capitaneada por membros da equipe do Grupo de Neuroimagem e Neurologia do Comportamento da Rede Labs D’Or, no Rio de Janeiro, monitorou as reações de quatro homens e de uma mulher enquantoexpostos a fotos emocionalmente neutras (uma garota lendo um livro), agradáveis (um coelhinho) e desagradáveis (um homem ferido e morto). Eles notaram que a região cerebral responsável pelo processamento de imagens e pela memória visual atuou de jeitos diferentes nos três casos — sobretudo no último, quando foi registrada uma forte ativação da ínsula. “Pode-se dizer que essa pequena estrutura age como intérprete dos estímulos externos no sistema límbico, onde são reguladas as nossas emoções”, afirma Leandro Gama, neurologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

“A intensidade da resposta varia de acordo com nosso organismo e estilo de vida. Praticar esportes, por exemplo, eleva os níveis de endorfina e serotonina, substâncias ligadas ao bem-estar”, finaliza Leandro. Então, é importante para seu bem-estar e saúde mental dar tchau ao sedentarismo, consultar um terapeuta e falar abertamente (e sem vergonha) com amigos e familiares sobre suas emoções. Tudo isso faz com que você olhe para dentro e, assim, dedique mais tempo para entender como se sente e aprender como pode se sentir melhor.

O que há de bom…

…na RAIVA

Se você vir o seu carro estacionado e perceber que alguém bateu nele, sem deixar nenhum bilhete, com certeza vai bufar e perceber os efeitos desse sentimento no seu corpo. A grande responsável é a descarga de adrenalina liberada pelo organismo em situações como essa. Os músculos ficam tensos, a frequência cardíaca dispara, o fluxo de sangue e de oxigênio aumenta. “É um mecanismo de defesa. Serve para que a gente consiga confrontar ou fugir de algo ou de alguém em situações de agressão física ou moral”, diz o neurologista Leandro Gama. Ou seja, é a fonte da força para se impor e, no caso do carro, buscar saber o que aconteceu para resolver o problema, fazer telefonemas e agilizar o conserto.

…na INVEJA

Desejar ter um emprego dos sonhos como o da sua irmã ou um relacionamento praticamente perfeito como o de uma prima é natural. Não precisa dizer que é uma “inveja saudável” para ressaltar que suas intenções são boas. “A função da inveja é justamente nos motivar a fazer mais”, diz Dorli Kamkhagi, psicóloga e psicoterapeuta do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Pois é, refletir sobre as conquistas dos outros e como eles chegaram onde muitos gostariam de estar às vezes pode ser o que falta para você finalmente se matricular naquela pós-graduação adiada há anos, por exemplo.

…na TRISTEZA

Esse sentimento é provavelmente o maior agente de mudança na mente humana. Quando bate, percebemos que algo não vai bem. O relacionamento com o namorado está te deixando infeliz? Indício de que é hora de questionar o porquê. Muitas vezes, as conclusões são o que nos fazem seguir em frente e encontrar um novo amor. O mesmo vale se você sente aquela dor no peito quando é preciso sair da cama para trabalhar ou fazer outra atividade. Hora de mudar!

…na CULPA

Aqui também temos outra emoção capaz de nos mover para beeem longe da zona de conforto e promover melhorias a respeito do que ocorre ao nosso redor. Sabe aquelas noites em que você liga a TV ou o computador e dá de cara com uma notícia sobre um abrigo de idosos que está passando por necessidades financeiras, sente uma angústia e diz “Poderia fazer algo para ajudar”? Tem aí uma dose de culpa que pode te impulsionar a tomar a iniciativa. “Assim, ela contribui para sermos pessoas melhores e construirmos um mundo mais justo e gentil”, afirma Dorli.

…na ANSIEDADE

A contagem regressiva para embarcar rumo àquela viagem de férias tão esperada (falta muito para chegar o mês de dezembro?) frequentemente causa várias brigas com o travesseiro e algumas unhas roídas. Mas também serve de lembrete para você não arrumar as malas em cima da hora e fazer um check-list dos documentos que precisa levar, um roteiro detalhado dos pontos turísticos a visitar e anotar telefones que podem ser úteis. Dessa forma, você vai conseguir evitar alguns apuros e se preparar para os imprevistos. Ah, e se algo não sair como o planejado, mesmo com toda essa organização, fica mais fácil aceitar a frustração. Você vai pensar: “Fiz tudo o que pude”.

…no MEDO

Imagine como seria a vida sem aquele frio na barriga que surge toda vez que você tenta atravessar uma avenida supermovimentada ou ir mais para a frente depois que a água do mar já ultrapassou os ombros. Curta, não é mesmo? Isso acontece para que entremos em estado de alerta diante de ocasiões de extrema vulnerabilidade e, assim, evitarmos situações de risco. E como o medo pode ser bom? Desde que não te paralise ou te impeça de fazer tarefas importantes, senti-lo antes de apresentar um projeto grandioso na frente do seu chefe e colegas vai fazer você se preparar o melhor que puder, por exemplo. Com todo o material organizado e as falas na ponta da língua, certamente vai se sentir mais segura e pronta para arrasar.

Filmes e livros com uma abordagem inovadora sobre as emoções

Filmes

Equilibrium (2002)

Em um futuro bem distante, para preservar a raça humana da devastação, os governantes decidem criar uma droga com o poder de inibir os sentimentos, evitando atritos.

Divertida Mente (2015)

A animação conta a história de Rilley, uma garotinha que enfrenta várias mudanças em sua vida. O desenrolar do enredo acontece na cabeça dela, onde suas emoções processam as informações e armazenam as memórias.

Patch Adams – O Amor É Contagioso (1998)

Depois de uma internação em um hospital psiquiátrico, Patch Adams descobre como as emoções fazem a diferença no tratamento dos pacientes e decide cursar medicina para colocar esse aprendizado em prática.

Livros

Felicidade Autêntica (Objetiva)

Martin Seligman revela detalhes da psicologia positiva apresentando, de uma maneira simples, estudos científicos que comprovam sua relevância.

A Coragem de Ser Imperfeito (Sextante)

Pesquisadora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, Brené Brown propõe um novo olhar sobre os sentimentos que tentamos evitar.

Inteligência Emocional (Objetiva)

O autor Daniel Goleman aborda como a capacidade de controlar os sentimentos redefiniu o que é ser inteligente.