Há três anos, inspirado em um estabelecimento visto em Brasília, Elton Luís Pereira Anselmo teve a ideia de montar uma oficina mecânica para o público feminino em Porto Alegre. Uma pesquisa de mercado confirmou que havia demanda, e Elton tirou o negócio da prancheta: construiu um ambiente convidativo, asseado, até destinou um espaço para beleza e investiu pesado em divulgação. Nascia assim, no bairro Santa Cecília, a Carro de Mulher.

— Em São Paulo e Brasília, há espaço para esse tipo de oficina. Aqui, não — reflete o microempresário.
O que resta da Carro de Mulher, hoje, é o inusitado piso cor-de-rosa da Emec Centro Automotivo, novo nome da oficina desde maio do ano passado. E o que Elton relata sobre a empreitada é bastante simbólico sobre a relação das mulheres com os seus veículos.

— Mesmo entre as mulheres que se tornavam clientes, com o tempo eu acabava lidando com os maridos ou irmãos delas. Elas pediam para eles virem consertar o carro. Por um lado foi bom, porque troquei (a oficina) de nome e não as perdi como clientes — conta.

Não é algo de todo surpreendente. Já em 2010, a Sophia Mind, empresa de pesquisa vinculada ao site Bolsa de Mulher, realizou um estudo com 963 mulheres para investigar o comportamento feminino no mercado de automóveis. Entre donas de veículos próprios, menos da metade eram as responsáveis por levá-lo para revisões periódicas (49%) ou para consertos (47%). A tarefa é na maior parte delegada aos maridos (37%), filhos (3%), pais (5%) ou outros.

Quando se observa apenas o grupo de proprietárias de carro casadas, então, é tarefa dos maridões não apenas as revisões (66%) e consertos (70%) dos carros delas, mas também cabe a 53% deles a limpeza e a 31% o abastecimento do carro da companheira.

Se praticamente uma em cada três mulheres casadas sequer abastece o próprio carro, não é de se admirar que o conteúdo dos capôs seja um mistério tão grande. A pesquisa também investigou o motivo de as mulheres não levarem os próprios carros a oficinas: à exceção de falta de tempo (23%), os motivos têm a ver com essa divisão entre gêneros: 10% delas temem serem enganadas, 10% acham o ambiente masculino demais, 4% disseram que o marido prefere desta forma e a imensa maioria, 43% delas, disseram que não o fazem por falta de conhecimento técnico.

Esse último dado vem ao encontro da percepção de Cristiane Sartori, gerente da Bellenzier Pneus, na zona sul da Capital. A cada par de meses, por iniciativa dela, a oficina oferece um curso gratuito de um turno com noções básicas de mecânica para mulheres. Divulgado ao mailing da oficina e em redes sociais, o curso sempre lota:

— Uma vez testamos abrir para homens também, mas percebemos que não funcionou. As mulheres ficaram acanhadas e praticamente não fizeram perguntas. Somente entre mulheres, elas se sentem à vontade de perguntar algo que possa ser muito simples, mas que elas não sabem — conta Cristiane.

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A gerente comercial Cristiane Sartori durante o trabalho na Bellenzier Pneus, no bairro Glória. Ela idealizou um curso de mecânica exclusivo para mulheres. (Foto: Mateus Bruxel / Agência RBS)

Em março passado, a psicóloga Bruna Graveto Menezes, 28 anos, fez o curso da Bellenzier. Ela obedecia à regra: desde os 18 anos, era o pai quem dava uns toques sobre as revisões periódicas do carro da filha. Ela soube do curso por meio do namorado, que a incentivou a fazer.

— Era muito difícil para mim entender daquilo sem visualizar como um carro funciona, sem entender a lógica da coisa. O curso serviu para isso. Sem entender como funciona, não dá nem para ter dúvidas para tirar com um mecânico — conta a psicóloga.

Segundo Cristiane, o curso serve justamente para dar essas noções básicas do funcionamento de um carro. Para que as alunas visualizem a parte debaixo de um veículo suspenso, o motor, as principais peças, além de noções básicas de manutenção, como o cuidado com combustíveis, óleos e pneus. Tudo para as alunas não serem engambeladas no eventual trato com oficinas e, principalmente, para não perder a hora das revisões e ignorar problemas importantes — uma situação recorrente em carros de mulheres, por elas adiarem as manutenções para quando o marido ou outro familiar tiver tempo de ajudá-las.

— Por isso, sempre desconfio de carro limpinho. Se o carro estiver muito limpo é porque não está sendo nem usado e muito menos revisado — brinca Josiane Moreira, 28 anos e mecânica da concessionária Chery Sul, vizinha da Bellenzier no bairro Glória.

Josiane é raridade em Porto Alegre. Com um curso de eletromecânica no currículo, é uma das poucas mulheres que atuam do outro lado do balcão nas oficinas. Algo que Elton, da finada Carro de Mulher, percebeu quando montou a oficina. Se tivesse mais mulheres atendendo às clientes mulheres, ele crê que haveria mais chance de sucesso. Porém, à época, foram pouquíssimas candidatas.
Josi, por sua vez, faz um convite:

— Elas têm é que dispensar os maridos e ir até a oficina pelo menos uma vez. Ver que não tem nenhum mistério. Acho que elas associam a sujeira, a um ambiente ruim. Não é necessariamente assim. As mulheres precisam entender que não é porque elas têm homens por perto que precisam deles.

 

Fonte: Revista Donna